quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

A Elegância do Ouriço

BARBERY, Muriel. A Elegância do Ouriço. São Paulo; Companhia das Letras,2008. 350 páginas.

Com um humor extremamente sarcástico, inteligente, sensível e irônico, a autora dá vida à sua obra-prima.

O livro narra a história e o cotidiano de duas personagens: uma senhora de 53 anos, viúva, que é concierge no prédio localizado no número 7 da Rue de Grenelle, um condomínio luxoso no coração de Paris; e  uma garota de 12 anos que planeja, em seu próximo aniversário de 13 anos, cometer o suicídio e colocar fogo no apartamento em que mora, nesse mesmo condomínio.

A garota se chama Paloma Josse, que apesar de pertencer a uma família rica, se questiona sobre o verdadeiro sentido da vida, ao não mais encontrá-lo na figura de seu pai, parlamentar respeitado, de sua mãe, uma dondoca que acredita que, apesar de ser viciada em remédio tarja preta, foram seus 10 anos de terapia que a equilibraram e, sua irmã, uma metida a intelectual, que estuda filosofia, mas que tem o cérebro menor que de uma abelha e vive no senso comum... Além de seus vizinhos ricos e 'vazios' e seus colegas esnobes! É uma personagem extremamente rica e imprevisível! E porque não Mefistofélica? (licença poética!)

Do outro lado, têm Renée Michel, uma senhora que se auto - intitula como autoditada, proletária e concierge. Inteligência é sua característica mais marcante... apaixonada por livros - principalmente literatura russa e filosofia, além das artes, tem um gato que se chama Leon - em homenagem à Leon Tolstói, autor de Anna Karenina, é capaz de discutir Kant e Metafísica como se falasse da meteorologia, enquanto toma sua xícara de chá! Apesar de toda a sua inteligência, assume o papel de 'débil mental' para se passar despercebida em seu trabalho.

Ambas as personagens tentam, dia a dia, apagarem sua existência e têm sucesso em se tornarem invisíveis aos olhos dos outros, apesar de serem extremamente ricas em suas vidas interiores, e de estarem sempre atentas ao que acontece ao seu redor, principalmente quanto às intenções das pessoas nas quais convivem e seus preconceitos. Elas se protegem de qualquer indiscrição, contra qualquer comportamento e qualquer ameaça que possa levá-las a serem descobertas. Descobrirem que são sensíveis, inteligentes, cultas e mordazes, principalmente dos moradores do edifício e da sociedade francesa em geral

Eu, como uma Cientista Social, não poderia deixar de comentar sobre o preâmbulo do livro,que  há uma discussão sobre Karl Marx: "Marx mudou totalmente minha visão de mundo". E Renée questiona (em pensamento) o personagem que diz essa frase, pois ele realmente acredita que Marx se resume em A Ideologia Alemã! A divisão de classes é totalmente perceptível no livro, uma divisão clara entre burgueses e proletários, onde o papel do socialismo, do comunismo e do sistema capitalista são colocados à prova. Engana-se que o livro se torna pesado ou até mesmo chato, por causa disso... Há duas passagens bem cômicas a respeito de Marx e da política:
"É, política... um brinquedo para os riquinhos, que não emprestam a ninguém" p. 31
"... as elites atuais... metidos a filósofos, que lêem Marx e vão em grupo ver O Exterminador do Futuro..." p.32

Vale lembrar que a autora, nascida em Marrocos, lecionou filosofia em Saint-Lô, na Normandia. Isso explica muita coisa...

Não é uma leitura fácil, pois exige um pouco do eleitor, principalmente nos momentos em que Renée busca em grandes filósofos - e por que não dizer grandes pensadores - para entender o sentido de sua vida! Mas, tenho o enorme prazer em dizer que o livro é de uma elegância que faz jus ao título, além das duas heroínas, Renée e Paloma, que nos leva ao auge da emoção, sendo impossível conter às lágrimas.

"... afinal, talvez seja isso a vida: muito desespero, mas também alguns momentos de beleza em que o tempo não é mais o mesmo. É como se as notas de música fizessem uma espécie de parênteses no tempo, de suspensão, um alhures aqui mesmo, um sempre no nunca. Sim, é isso, um sempre no nunca." p.350

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